domingo, 21 de abril de 2013

AQUELE MALDITO SORRISO


você que pensou que tinha caminhado adiante
é só olhar pra trás
e ver o quanto está paralisado
imóvel e patético
aquele maldito sorriso cativante
que te rouba a concentração
toda vez que o encontra por aí
é suficiente pra sacar que
não, você não avançou sequer alguns centímetros

foram beijos, fodas, noites mal dormidas
na companhia de bêbadas, de prostitutas,
de decadentes e carentes
você pensou que tinha saído do zero
mas na verdade, apenas se enterrou
um pouco mais
se vacilar mais, vai acabar sufocado
afogado na própria desolação
com os pés atolados na lama
a mesma lama que você leva pra casa
todo dia, após a bebedeira descabida
e os passeios nos becos e bocadas
em busca de distração

há sempre uma mulher específica
aquela que vai te fazer perder a cabeça
uma mulher que vai te derrubar de cima do muro
que vai te desestruturar
e você vai pensar que evoluiu, mas não
não evoluiu porra nenhuma
pois aquele maldito sorriso cativante
ainda será cativante
aquele olhar ainda será aquele olhar
único e, desgraçadamente, belo

é como se ao ver aquele sorriso
pudesse mais que lembrar
mas sentir tudo
o toque
o sexo
o riso
a alegria compartilhada
e é a lembrança que fode tudo
pois essa lembrança, a boa lembrança
é pior que a má lembrança
a má lembrança pode libertar
afinal de contas, é muito mais fácil
encontrar a liberdade lutando contra o ódio
que contra aquele maldito sorriso cativante


por bruno muniz, 21 de abril de 2013

terça-feira, 16 de abril de 2013

INCONTIDOS


a causa do incômodo, o imprevisto
a nascente da dúvida, o intempestivo
a fagulha do desespero, o caótico
o riso anárquico, o incontido

dentro do sujeito que não é indivíduo
mora um embrião, um ser desconhecido
não dá suas caras, acostumado ao mascarar rotineiro
divide cama com donzela de ferro,
só vê "bom-dia" em sorrisos amarelos
espera à espreita a brecha pra ser por inteiro

a origem da questão, a hipótese
a livre suposição, a apoteose
o medo e a tentação, o desatino
a porta aberta, a luz, o incontido

o garoto esperto, malandro, sorrateiro
a prostituta, o bêbado, o desordeiro
de peito aberto, a cara ao tapa, olhar firme e ousado
o pobre, o preto, o nordestino
o velho, o fraco, o desprovido
de mãos vazias, de pés descalços, de coração dilacerado

a ilusão necessária, a esperança
o bom-senso inerte, à sombra descansa
ao incerto e ao bravo, o destino sorri
em risos incontidos, decide permitir


por bruno muniz, 24 de fevereiro de 2013

DILACERA

de pé frente à janela
onde pássaros se exibem
onde as moças desfilam exuberantes
sob a gentil luz das luminárias antigas

as mesmas janelas que outrora eram convite
que abriam as vistas para o sorriso
ela passou por essas janelas

foi um riso noturno
um riso forte e invasivo
ela penetrou meu peito
invadiu violentamente a alma e roubou minhas vontades
e fiquei aqui, preso à janela

cada riso e sorriso tem seu preço
os seus foram caros, raros, fartos
sorrisos tenros e abertos
de semblante doce e sincero
risos únicos - no tempo, no amor, no sabor
sem repetição ou segunda chance

acordado, desde as 18 horas
com uma garrafa de vinho em mãos
fitando os carros que passam à janela
vejo ainda seu olhar... a encontrei
para mim, era... ela... única
ninguém poderia ser
quem seria?

sorria como ninguém
ria como só ela... amava, somente, ela

me sorriu mil vezes,
me riu centenas,
me amou apenas uma, única e inesquecível vez

lembrar, rindo, pois não mais
é o que dilacera, desmantela, rasga a pele
e não haverá sorriso pra curar,
mas somente aquele que encara a morte
continuará a ter chances
pois só quem dilacera, se reconstrói


por bruno muniz, 24 de fevereiro de 2013

domingo, 14 de abril de 2013

OS NOSSOS PALADINOS

e então, enquanto o ar estava seco
e as folhas caíam das árvores
deixando o passeio público com um visual saudoso,

velhos senhores na praça jogavam dominó
as senhorinhas caminhavam e jogavam pães aos pombos
alguns meninos chutando bolas,
outros brincando com suas bolas de gude
algumas meninas nos gira-giras
enquanto outras, já maiores,
observavam aos garotos mais belos
e, algumas delas, às garotas mais belas

haviam casais, de todo o tipo e cores
alguns com crianças no colo
eram homens e mulheres,
mulheres e mulheres,
homens e homens, abraçados
com algo em comum a ser exaltado e dividido
seu amor e suas esperanças
e sorrisos e risadas vindos de todos os lados
e as folhas continuavam caindo das árvores
e o sol estava escondido atrás de nuvens
cães e gatos desfilavam pela praça
e não se via qualquer hostilidade ali
e a tarde se encaminhava sem pressa

até que chegaram alguns paladinos
apontando suas crenças e dedos
decrépitos e em decomposição
e eles trouxeram um vento forte
que anunciava a chegada de chuva

as meninas correram pra suas casas,
os meninos deixaram as bolas pra trás
os gira-giras giraram vazios
as bolas de gude ficaram na areia
a caminhada das senhoras foi interrompida
e as pombas voaram de lá
os casais deixaram de sorrir
e foram proibidos de dar suas mãos
as folhas continuaram a cair

mas os defensores de um passado que morreu há tempos
voltaram para ditar as regras
a chuva veio com eles, e veio forte

pobres velhinhos,
fim da partida de dominó


por bruno muniz, 14 de abril de 2013

sexta-feira, 12 de abril de 2013

NÃO DE MUITA COISA

eu estava precisando
não de muita coisa
já não esperava por um maldito milagre
não esperava por uma revolução
ou que Deus me desse um sinal de sua existência
não era de um porre
não queria ficar louco
sequer eu procurava o caminho do mar
uma boa noite de sono cairia bem
mas também não era disso que eu precisava
pensei em ler um bom livro
assistir um bom filme
ou ouvir uma velha música americana

eu estava precisando
não de muita coisa
fiquei sentado, frente à merda da televisão desligada
com um copo de cerveja na mão, esquentando
o cigarro na outra, queimando à toa, e
as cinzas caindo no chão
na janela, escorriam as gotas de água
da chuva que não parava de cair desde cedo
dia fodido
a noite já dava as caras e eu não saí de casa e

eu estava precisando
não de muita coisa
a campainha soou
o som entrou por um ouvido
e do mesmo modo saiu pelo outro
mais uma vez, me levantei
na chuva, havia alguém
eu estava sem meus óculos
havia alguém ali parado
abri a porta e pedi que se identificasse
a chuva era forte, não ouvi nada do que disse
recobrei a visão, enfim,
totalmente molhada, ela me sorriu

eu estava precisando
não de muita coisa
um sorriso bastou


bruno muniz, 13 de abril de 2013

domingo, 7 de abril de 2013

AMOR ENGANO


venda sua alma
entregue seu ouro
rasgue seu peito
abandone seu coração
morra cem vezes
fique nu e se corrompa
lute até o fim
se mate
se foda mais um pouco

dinamite sua vida
agrida sua auto-estima
roube de si
dê seu recanto
desate suas proteções
derrube suas angústias
se esqueça um bocado
discipline a mente pra isso
se dedique e faça funcionar
amplie seus esforços
subtraia seus sonhos
ouça mais, ouça tudo
fale menos, não fale
morra mais cem vezes

esteja pronto, e mostre força
não chore, e não mostre medo
arranhe suas entranhas
afogue o peito
e mantenha a cara limpa
seja fiel
seja o que se espera
mantenha as estruturas
corroídas pra você
mas firmes pra que não sejam vistas as ferrugens
finja, maqueie, seja tudo menos real
até que a casa caia
sozinha, ou com um sopro de vento
e morra soterrado, mais uma vez
de você, só se verá uma mão
rija, contorcida,
procurando a saída

tarde demais
você entregou tudo
pra quem não deveria
agora é só esperar o próximo trem passar
enquanto o tempo lhe dilacera
e sua coragem não é mais nada
na saída da estação está escrito
bem-vindo ao inferno, amigo


por bruno muniz, 7 de abril de 2013

sábado, 6 de abril de 2013

MENTIRAS


você precisa
de vez em quando
de alguns sorrisos no seu dia
de elogios gratuitos
ou de uma troca de olhares
depois de uma noite mal dormida
depois de um dia mal vivido

nem sempre é verdade
que precisamos da verdade
algumas mentiras caem bem
fazem bem
e são o bem
pois de dentro de um escritório
não se tem o sol na pele
pra alimentar a alma
e renovar o espírito
pois depois de uma ruptura
se leva tempo pra poder voltar
à ação novamente
pois não é todo dia
que se encontra um grande amor
e se realiza um grande sonho
se conquista um objetivo
se alcança o sublime

e então,
às vezes, você precisa
apenas de uma taça de vinho
de algumas horas de boa música
de um banho demorado
e de risadas sutis

o dia a dia é pesado
precisa que venham as danças
que os pássaros cantem
que os abraços aconteçam
não interessa, às vezes,
que você aprenda algo novo
que você encare os fatos
que você esteja ciente e consciente

às vezes, é a mentira que salva
a mentira que engana o carrasco
que alivia e nos resgata
da angústia e dos pavores
da morte de nossos amores
de um medo incalculável
de um erro irremediável

verdade seja dita
a mentira
não é, assim
tão
maldita


por bruno muniz, 6 de abril de 2013

NÃO


ela disse "não"
ele insistiu
ela repetiu o "não"
ele se aproximou
ela o repeliu
ele a segurou pelos braços
com força
e beijou sua boca
ela, de olhos fechados,
o mordeu
com toda força
rasgando seus lábios
o sangue escorreu
ela apertou suas bolas
ele se contorceu
e caiu no chão
"filha da puta!"
ele gritou, caído no chão
ela fugiu
ao menos,
desta vez

ele fez outra vez
mas a outra garota
não conseguiu fazê-lo sangrar
e ele
não precisou gritar nada desta vez
ela
sequer conseguiu dizer
"não"


por bruno muniz, 6 de abril de 2013

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A SARJETA

eu, deitado junto à sarjeta, estou
com as calças rasgadas
e as meias sujas da água que sai do esgoto
a chuva parou
e estou bêbado e inútil
e não vou conseguir me levantar daqui

as putas já estão na esquina
esperando o próximo cliente, e me olham
não passo de lixo, sou parte do cenário
não posso comprar amor, não
não desse jeito

os carros começam a passar
de lá pra cá, alguns param, elas entram
entram e saem, entram e saem
eu observo, a noite cai
e algumas delas demoram a voltar

nos carros, mulheres ou homens
velhos, jovens, casais, trios
todos querem diversão, e nada melhor
o amor é frágil, a curiosidade é forte
vontade não falta, que viva o risco

continuo eu, cá, jogado no chão
a garrafa, agora vazia, fodeu comigo
minha própria puta, privativa
é o amor que pude comprar,
toda minha, e um litro de beijos

um carro passa rápido sobre a poça d'água
que voa pra cima de mim
malditos fodedores de putas
eu não precisava disso
amanhã, todos voltarão aqui
mas eu não, espero


por bruno muniz, 4 de abril de 2013

terça-feira, 2 de abril de 2013

SERIA DIFERENTE


foi quando me dei conta
eu deveria ter feito diferente
era só
arrumar uma amante
uma, não...
umas duas ou três
continuaríamos fodendo
cada dia mais gostoso
sem aquele marasmo de sexo preguiçoso
sem aquele sorriso tonto de amor
sem aquele vai-e-vem insosso
sem aquela foda de merda, foda de manutenção

sobraria a verdadeira foda
sobraria algum tipo de paixão
risadas com cerveja,
taças de vinho e,
lá estaríamos nós,
suados, molhados e constantemente excitados
até dar no saco
até não servir mais

com certeza, eu não seria o único esperto
ela não seria diferente, com certeza
mas pelo menos,
a chatice dos finais com todas suas lágrimas
seria só uma cena de teatro pra ver quem sairia vítima
quem sairia carrasco
sem maiores pesos na consciência
sem maiores perdas

mas não foi assim que eu fiz
e por isso, estou aqui
pensando em suas coxas abertas
no calor, no aconchego de seus seios
nos beijos de seus lábios cheios de carne
no cheiro que só ela tem
e, que coxas!


por bruno muniz, 1º de abril de 2013