quinta-feira, 6 de novembro de 2014

ROMÃ - DE TODAS AS FORMAS

eles riem, frenéticos
débeis, destrambelhados
seguros de que a piada está à frente
quando ela está no espelho
esticam seus dedos, eretos
caçoam, e aos ridicularizados,
dizem, cabe a missão de ser conivente
quando sê-lo é o erro

aprisionam, matam, destroem
impõem o inferno em vida
instauram o terror, o horror, a dor
tudo por seu medo e incompreensão
os que resistem, se corroem
por lutar contra essa sina
e acreditar em sua liberdade e amor
pois não há o que limite ao coração

e eles que são elas, elas que são eles
eles que são ambos, e elas também
que não escolheram mas se orgulham por sê-lo
amantes de toda forma de querer bem
eles que são frágeis, elas que são fortes
todos que transcendem, todos que superam
os que não se limitam a valores pré-ditados
e se agarram a suas verdades e se libertam

aqueles que amam, se o fazem de verdade,
o fazem sem limites, sem rancores ou maldades
aqueles que vivem, se vivem realmente,
vivem cada instante, e amam intensamente

mas erram feio os que fingem tentar entender
e apenas teimam em replicar ou buscam converter
se precisam de explicações, talvez nunca entenderão
que amor não tem fronteiras tampouco divisão

qualquer um é capaz até de ser tolerante
mas respeito está muitos passos adiante
não tem cor, não tem credo, tampouco raça ou sexo
pois, se plural, é genuíno, pleno, livre, belo


por bruno muniz, 06 de novembro de 2014.

domingo, 2 de novembro de 2014

SOB SUAS VEIAS

ele chega sorrateiro
na verdade, porque sempre ali esteve
mas vai tomando forma
vai galgando espaço
vai se tornando aceito
de primeira, parece um exagero
dizer que ele vai crescer
pensam que é só algum modismo
pensam que é uma paranoia
que é algo passageiro

se disfarça em piadas
se camufla em absurdos
é desdenhado como se fora obsoleto
e assim, estende seus arbustos

toma conta, dia após dia
dos assuntos nas rodas de amigos
inocentes comentários
que ocultam obscuros avisos

filho do ódio, irmão da violência
impõe a inimigos maldita penitência
destilaria de desgraças, demonstra ânsia
em descarregar em seus alvos toda sua ignorância

- convido-o a ouvir, doença
e, desta vez, preste atenção
seu berço cheio de sangue
não lhe trará alguma salvação
se ganha força, diabo
saiba que não é sozinho
contra sua ira soturna
encontraremos um antídoto
assustadora é sua face
que, enfim, a mostra a todos
mas não há medo, dessa vez
pois se erguer-se, lutamos, de novo!


por bruno muniz, 03 de novembro de 2014.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O DIABO TEM UM NOME

o diabo tem um nome
descobri a duras penas
não bastava sonhar grande
cercado de almas pequenas
o diabo tem um nome
e persegue sem cansar
não admite não ser rei
e só sobre os fracos reinar

o diabo tem um nome
abriu firma e tudo o mais
escravizou seus funcionários
e contratou um capataz
o diabo tem um nome
das profundezas declara guerra
não aceita alegrias
de ser algum sobre esta Terra

o diabo tem um nome
o qual, não ouso pronunciar
uma vez basta pra que sua ira
então, se faça evocar
o diabo tem um nome
a maldição que se arrasta
deixa o ódio e o rancor
e traz nada mais que desgraça

o diabo tem um nome
mas não tem cor nem adorador
somente um capacho inútil
que se oferece com louvor
o diabo tem um nome
pobre infeliz, feio, mal amado
sua fama precede e faz jus
em ser um grande desgraçado

o diabo tem um nome
entende o bom entendedor
o ser de meias palavras
meias verdades, sem valor
o diabo tem um nome
vil é seu poder eterno
cão imundo e raivoso
por isso é rei só no inferno

o diabo tem um nome
dele, busco sempre a liberdade
não reconheço seu mau-hálito
muito menos sua autoridade


por bruno muniz, em 02 de outubro de 2014.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A VIDA É UM DETALHE

nada mais que um sopro
nada mais que um suspiro
apenas
um breve piscar de olhos

às vezes, vaga, vazia, vulgar
às vezes, vã, vencida, vil
entregue
à sorte de existir

a superestimada cadência
do pulso em ritmo de trote
que não permite que vacile
que não espera sua ciência
que não espera que acorde
pra começar o seu desfile

a vida é um detalhe
pedaço ínfimo da história
de um universo infinito
na desordeira relação
de abismos e de cânions
onde se buscam os abrigos

vida pífia, é verdade
vida curta, mas que arde

e àquele que a semeia
e, por caminhos que permeia
tortuosos e incertos,
seja por bosques ou desertos
mas a agarra, com ardor
que batalha com fervor
uma coisa lhe é segura
e não se trata de loucura
no princípio era o pó, um grão,
hoje, é eternidade, imensidão

a vida é um detalhe
imperfeito e belo detalhe


por bruno muniz, em 11 de setembro de 2014.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

FRACASSADOS

nunca gostei, não é de hoje
não vou gostar, nem cossentir*
por quem chora à toa, tolo,
e levanta a mão só pra pedir

sem coragem, não há perdão
sem dignidade, não há virtude
quem espera sentado não pode
esperar que o tempo, a tudo, mude

"venha a nós o Vosso reino"
só cabe em reza, em oração
pra ser é preciso andar
em busca de alguma direção

fracassei demais, vez após vez
e até hoje, inteiro não estou
mas dos que falham por mera covardia,
mesmo antes do fim,
   sei que nada mais restou


por bruno muniz, em 08 de setembro de 2014.

* a quem interesse, reflexão de Milan Kundera

sexta-feira, 25 de julho de 2014

CÚMPLICES

milênios sob chamas
sonhos sepultados
pequenos desgraçados
jovens amputados

mães sem esperança
histórias roubadas
amigos perdidos
vidas saqueadas

peitos vazios
destroços espalhados
ruas de sangue
de deus, fingiu-se o diabo

o futuro condenado
expulsos, ultrajados
o destino soterrado
aos corpos amontoados

não haverá amanhã
se houver apenas silêncio
não haverá amanhã
se houver apenas tormento

somente o horror,
a morte, a dor
somente o medo,
a covardia, o terror

o assassínio liberto
brutal e interminável
a passividade declarada
assumida e abominável

perdoai-nos, um dia
perdoai nossa dificuldade
perdoai nossa falta de coragem
perdoai nossa cumplicidade,
nossa imensa
perversividade


por bruno muniz, 25 de julho de 2014.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

DESPIDA

os pequenos pelos
em suas costas,
contornando suas lindas
e sutis covinhas
à altura da cintura
perfeitos para o abraço
perfeito encaixe
delicados pelos
traçados como um caminho
à gota do suor de desejo
pelos que entregam
pelos que denunciam
e apontam para o alto
e pedem
pelo beijo
pelo toque
pelos dentes famintos
ah, seu corpo todo
corpo que diz
que me quer
corpo que diz
muito mais que seus lábios
lábios que dançam
a me provocar
molhados
e cheios de carne
precisamente trêmulos
pecados impecáveis
e os fios de seu cabelo
que, à ela,
não resistem
e tocam seus seios
os acariciam
suavemente
com prazer
a cada toque de suas pontas
leves
e finas
cabelos confusos
de próprias vontades
então
o calor toma conta
do quarto
do ar
de mim
o calor consome
o quarto
o ar
este homem
e ela não solta
sequer uma palavra
mas suas mãos se libertam
desprendem-se
deslizam seus dedos
e prendem seus medos
e arranham sua pele
macia e tenra
seduz e se conhece
quando escolhe,
me chama e se despe
pois sente
e sabe
que ela e ninguém,
e eu aprendi em meu lado,
que ela é dona de si
e de seu corpo também


por bruno muniz, 12 de julho de 2014.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

NENHUM MAL ALÉM DESEJO

real e poderoso, o ato impensado
que, despretensioso, atropela sem remorsos
a reação do carrasco de sempre
que derruba o machado de suas mãos
e lhe tira a máscara covarde
de sua vil e baixa autoridade

é com desdém que se desarma
qualquer ódio, qualquer ira
que se desafia qualquer leviana acusação
nem o revide,
nem a outra face
somente
a esquiva à lá Ali
pra deixar
em descompasso
seu pessoal Leviatã

você
que me apontou o dedo ao crime
que me entregou de bom grado
à fome dos leões
você
que me quis
ver com sede no deserto
mas
não esperava
que eu pudesse estar desperto
pra encontrar outro caminho
pra construir
meu destino

como disse o poeta
"apesar de você", e,
digo,
graças também
me fiz forte e fui além
não lhe desejo nenhum mal
a mim, já bastam
os que já tem


por bruno muniz, 06 de julho de 2014.

terça-feira, 15 de abril de 2014

DA CHUVA E DO QUE SE VAI

ouço os estalidos das gotas
da chuva persistente
sobre as poças d'água
no asfalto rústico
constantes, incansáveis

ouço e não sinto,
não na pele
o que cai dos céus
e vem a purificar
tão sujo e desumanizado
povo

não, não me molha
a chuva
estou protegido, fechado
sob um teto e paredes
protegido, abrigado
obrigado
e sem pensar, aceito
isso
aceito
é assim, é preciso

não, não me molha
a chuva
assim, não
me purifica
sou sujo e permaneço
desejando a ducha
artificial do meu
chuveiro

esqueço a sensação
da água fria dos céus
que escorre pelo corpo
e se esvai através
dos pés
até a grama e a terra
esqueço a sensação
da natureza que renova
e revive
em nós
quando nos permitimos

ouço os estalidos das gotas
da chuva persistente
mas estou preso, inerte
me faço
sorridente
sob roupas e sapatos
todo dia
é indiferente

nem sol, nem chuva
nem sol, nem lua
vejo tudo pela janela
vejo tudo e nada toco

simples

despedida lenta e densa
da leveza de uma vida
que poderia ser imensa
deixo pra trás a chance
de uma história mais intensa

simples
deixo tudo
ir embora com a chuva


por bruno muniz, 15 de abril de 2014.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

CASTELOS DE AREIA

não é só de calmaria que precisa a alma
fogo, ardor, uma explosão
uma pedrada na janela em plena madrugada
telefonema na hora errada
alguma pergunta ou dúvida
algo que tire do sério e da compostura
o mocinho da história morto pelo vilão, no final do filme
os lençóis manchados de corpos que denunciam o sexo
o padre apaixonado pela fiel
a professora universitária entregue ao aluno
tudo errado pra dar certo
a calmaria é falha e enterra palmo a palmo
qualquer tesão e verdade
pássaro no fio elétrico do poste
nadar com tubarões com a gaiola aberta
o perigo da vida no dia a dia
o desafio, o desabafo, a bomba relógio esperando o tic final
pra mandar tudo pros ares
boom!!
feliz colapso
bem-vinda seja, desconhecida loucura
ácida paixão
adeus castelos de areia


por bruno muniz, 11 de abril de 2014.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

LAVA

como quando se está resfriado
e a única solução
é uma profunda escarrada
uma cusparada carregada
e nojenta!
de asco

o escarro contra o escárnio
rotineiro dos parasitas
donos de supostas verdades
as que lhes convêm
e os mantêm
no comando

o sincero profundo desprezo
em forma de doença e sintoma
o suco gástrico maldito
que não mais corroerá
e em refluxo como lava vulcânica
voa de revolta

o gosto acre do remédio
e a dor febril por todo o corpo
só irão embora com suor
só darão paz após o sangue
escorrer vermelho
e livre, enfim

o riso besta sem controle
do desespero ridículo
que festeja a árdua conquista
de um reequilíbrio forçado
urgente
e necessário

um soco no estômago
súbita agressão em revide
pequenas desgraças de troco
às tragédias impostas
e agradece ao ódio
que faz triunfar

grato, se despede
amém


por bruno muniz, 03 de abril de 2014.

sábado, 29 de março de 2014

SEM NADA

anda
e fala
como se fora castrado
sem gana,
sem punch,
sem vergonha na cara
o sujeito infeliz já conformado com sua
miséria
fez dela companhia e a abraça
toda
noite
pobre diabo de pés descalços e sujos
braços
amarrados juntos às costas
sentado no chão em um canto,
canto escuro
uma pequena janela
uma fresta ridícula
por onde entra alguma luz
que o expõe
sujeito sem orgulho,
sem tesão,
sem nada
sujeito que não é
sujeito de si
morrendo de fome
em silêncio, como se fora punido
crédulo
de sua penitência,
ele sorri
aceitou a morbidez
como seu tom,
sua roupa,
sua vida
que vida, se jaz morto
de olhos abertos
coberto pela infâmia irônica
que o suprime
e se sente confortável
pelo peso sobre o peito
sujeitinho
patético
passivo,
pacífico demais
cachorro débil,
capacho voluntário
imagine
imagine o pesadelo,
que estrada sem sentido
uma roda
que gira em falso eternamente
talvez
seja hora
a hora de levantar
não?
talvez,
o sujeito seja você


por bruno muniz, 27 de março de 2014.

quinta-feira, 27 de março de 2014

MADRUGADA PERDIDA

batiam os ponteiros do relógio
os gatos gemiam à janela
as moças dormiam tranquilas
os carros passavam a cada dez minutos
as prostitutas faziam seus últimos programas
a polícia fingia não ver nada enquanto contava a propina
os mendigos maltrapilhos brigavam por uma manta
os ratos rondavam as latas de lixo e bocas de lobo
os boêmios já caíam pelas calçadas escorados uns nos outros
em algum porão, imigrantes costuravam há horas por centavos
eu fumava meu último cigarro esperando-a chegar
não sabia quem, como era, a que horas chegaria
mas esperava, como se fosse minha última chance
era pegar ou largar, um risco perder o “time”
- blem! – soavam três vezes os sinos do relógio
não restava uma gota de cerveja, nem de água
apenas o cheiro de mofo do quarto inabitável, a não ser,
por mim mesmo
quando ela chegasse, eu a atenderia?
abriria a porta tal qual abri minha alma?
não tinha certeza se teria a coragem necessária
coragem de entregar a alguém minha solidão
e, portanto, minha independência miserável
ouvi, enfim, um ruído
um som de frenagem de ônibus, o agudo arranhar das pastilhas
o chiar do ônibus parando
corri até à janela, onde dois gatos ainda se enroscavam
pude ver o ônibus partindo, uma mulher entrando no prédio
meu coração disparou, o peito se apequenou... fiquei sem ar
suava em bicas, não tomara banho, merda!
fui tomado de certezas, ansiedade e coragem
tropecei em meus sapatos no corredor, joguei uma água no rosto
lavei as axilas na pia
corri pro quarto e me dei um banho de loção pós-barba,
não tinha perfume
recolhi as latas de cerveja, as bitucas de cigarro
guardei uma guimba pra depois
coloquei uma camisa limpa, ao menos mais limpa que a anterior
joguei um livro marcado nas páginas finais, o qual nunca comecei a ler,
em cima da mesa de centro
desliguei a tevê e aguardei... fiz tudo em segundos, meu recorde pessoal
a campainha não soava, a porta não apresentava sombra ao rodapé
estranhei
fui até à mesma e meti os olhos no olho-mágico
lá estava ela, de mala e cuia nas mãos, olhando pra baixo
refleti, ela era linda e tinha um ar triste... fiquei observando-a
até que resolvi abrir, mas estava trancada e as chaves não estavam lá
corri para encontrá-las e, quando enfim cheguei e destranquei a porta,
não havia mais ninguém ali...
desci correndo até o portão do prédio e, ao sair, pude ver...
um táxi partia...


por bruno muniz, algum dia de 2013.

terça-feira, 25 de março de 2014

VERDADES PARCIAIS (DE UM ESCRITOR)

eu não precisava de reconhecimento
era como se tivesse vindo pra isso
honestamente, não me importava com palmas
um copo de cerveja me bastava

se fosse possível,
não retornaria, nunca mais, a lugar algum
nem ao menos aos que eu gostei
às vezes, não é bom sentir-se em casa
isso tende a trair, pois acomoda
e acomodar-se é o primeiro passo
pra se tornar um tremendo pé no saco
repetitivo, sem graça e,
inevitavelmente, doloroso

como comida sem tempero
alimenta, mas não apetece
dá vontade de jogar na cara
do filho da puta do cozinheiro...
lavagem? não, obrigado...
enfie no seu cu!

parecia até matemático o problema
no começo
quanto mais você faz, mais fácil se torna
mas isso é apenas uma ilusão
não é um mero exercício
isso exige a porra da vivência
experiências boas e ruins
mais ruins do que boas
conquistas, traumas, dores, choques e sustos
de certa forma, uma boa dose de problemas faz bem
mas não pra sempre
problemas tornam qualquer um nada mais que um coitado

é preciso ser mais que isso
é preciso ser um filho da puta com sede
repito, não de reconhecimento
foda-se isso
mas o diabo tem de cutucar a alma
ameaçar levá-la
te botar de joelhos pra você sacar que o tempo está descendo
acabando, correndo
a areia se esvai rápida pela fresta da maldita ampulheta
e se você não for incomodado, a cabeça para de funcionar

e é assim: parou, parou... não há retorno
não há óleo para lubrificar, nem ladeira pra fazer pegar no tranco
você será tão somente um inútil babão que sabia escrever
e agora, no máximo, rabisca palavras sem sentido
um punhado de frases que não conversam
como masturbação primária de pré-adolescente
o moleque que se esfrega e não faz ideia do que seja aquilo
e pensa que tudo não passa de cócegas
assim, não faz sentido pra ele e não vai agradar a ninguém
a diferença, aqui, é que escrever também não deve ser algo pra agradar a alguém
senão ao próprio escritor

portanto, escreva
escreva, desgraçado, escreva até sangrar o papel
e não pare
mas só se for pra te libertar da inércia, da inutilidade,
e, por fim,
te trazer pra fora da lógica
estéril e imbecil
do mundo real

por bruno muniz, 25 de março de 2014.

sexta-feira, 21 de março de 2014

ANTE O DESTINO

ante o destino
viciado é o ar parado
de janelas fechadas
onde somente se vê,
mas não se sente
a brisa
que toca as folhas das árvores

ante o destino
doente é o corpo
que não responde, só absorve
e aguarda a morte
certa,
por não conhecer
a própria força transformadora

ante o destino
condenada é a alma
que não se reinventa
não se revigora
não se revolta
ante o massacre diário
que a aprisionou

ante o destino
covarde é a mão
que apenas se esconde
pede algemas com urgência
fraqueja e se entrega
ao primeiro
sinal de revide do carrasco

ante o destino
morto é o animal
que perante o caçador
aceita o fim
como inevitável
se prostra dócil
submisso

ante o destino
vivo é quem arrisca
não faz jogo,
subverte
não aceita o clinch
recua
ciente
de que o próximo passo
é adiante,
firme
direto
hostil, ao injusto
violento, ao falso
grato, ao verdadeiro
de peito aberto
mas sempre em pé
na guerra
ou na paz

sempre.


por bruno muniz, 21 de março de 2014.

quinta-feira, 13 de março de 2014

DO ÓDIO E DAS MUDANÇAS

insuficiente é, pois,
caminhar em linha reta
desviar de obstáculos
é mais que necessário,
criar alternativas
e cultivá-las com afinco
isso tudo deveria bastar,
mas
não basta
é preciso mais
é preciso encarar certos obstáculos,
derrubar o que estiver à frente
pra seguir em frente
não se entregar
ou baixar a cabeça,
baixar a guarda,
abandonando, assim,
princípios e sonhos
mas isso dói
e cansa
cansa,
pois se torna rotina
e a rotina
mata
mata o tempo,
as esperanças,
as vontades,
o mínimo de dignidade
e respeito próprio
com o tempo – sempre deus da vida – tudo
tudo se transforma,
inclusive
o potencial de transformação mais revolucionário
e rebelde que algo
ou alguém
possua
é preciso, portanto,
ter
não só amor, mas
ódio também
é preciso odiar
o consentimento, o hábito e a conformidade
com o que está errado,
injusto
e arbitrário
encarar problemas, às vezes,
implica em abrir mão
de certos confortos
e assumir outros tipos de problemas,
todavia,
problemas que podem ser solucionados
por quem os assume
superar tais adversidades
é um ato de coragem
suportar adversidades é coisa
que qualquer um
eu disse, qualquer um
pode fazer
superá-las
exige força
e coragem de verdade
não conheço muita gente que tem coragem
de abrir mão de algo
parece a mim que lhes falta ódio,
lhes falta incômodo,
lhes falta ambição,
lhes falta amor próprio
estou cansado
cansado de esperar mudanças
e não ter perspectivas
por isso assumo o ódio
em nome do amor
ao que julgo ser o certo,
o certo pra mim,
o justo pra mim
sou minha própria medida
e não posso esperar que alguém
me livre de meus
infernos
que a fúria
e a sede me consumam,
pois não será o tempo
que me
congelará


por bruno muniz, 13 de março de 2014.

terça-feira, 11 de março de 2014

TREM DOS DIAS

são rostos turvos mesmo atrás das lentes
olhos baixos, cansados, decepcionados
as mãos pesadas sobre o colo
os ombros soltos, braços pendurados
são tantas dores e perdas
de voz, de sono, de força, de tempo
num vai e vem diário, sem sentido
a boca seca, aberta, à procura de ar
a roupa amassada, os pés molhados
mesmo sob os sapatos, há frio
olhares perdidos,
onde é, onde há horizonte?
sonhos, sons, prazeres... ocos
fugazes esperanças e expectativas desfeitas
desnudadas perante a realidade
objetiva e crua, sem floreios, sem canteiros
imensa Terra que se contorna todos os dias
e traz de volta o sol para nos lembrar
do que deixamos esquecido
sob uma frígida vida, vida insossa
dos que apenas sobrevivem hoje, ao hoje
mas não imaginam o amanhã
riscos, rabiscos, rascunhos do que a natureza
nos projetou
homens mulheres, velhos crianças
seres que dissimulam-se alegres,
nas danças
mas se abandonam por valores sólidos
um tanto mórbidos
desprezados, revelados não mais que ratos
tristes passivos, coadjuvantes do horror
apenas dublês de si mesmos
nos deixamos pra trás, de lado
e ficamos assistindo ao filme repetido
enquanto o trem segue
e a próxima estação será
o eterno retorno ao princípio
deste
mesmo
trilho

por bruno muniz, 07 de março de 2014.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A VIDA CABE A QUEM...

ouvia o som das sirenes ao fundo
misturado ao chiar da leve garoa que caía
naquela madrugada fria
um filho, pra casa, não voltaria
uma mãe choraria
um pai angustiado
a fim de consolá-la
tentando esconder seu próprio pranto
talvez, não

talvez, um pai não voltaria
deixaria sua filha de 4 anos
abraçada ao urso de pelúcia, dormindo
sua esposa banharia os lençóis e travesseiros
pensando na última conversa,
uma briga
e incerta de seu paradeiro
sem notícias, com mil suposições na mente
o gosto salgado das lágrimas nos lábios
e ele não voltaria,
não mais

ou ainda, poderia ser,
por um safado qualquer
que não quis lhe pagar o serviço,
a prostituta morta
que deixaria em casa
filho pequeno a sustentar e educar
pai idoso, apenas com aposentadoria miserável
ou, também, o sonho de se formar
terminar os estudos e viajar

poderia ser a garota que descobriu
que era apaixonada
por sua melhor amiga
que por ela, também o era
mas que, apenas por isso,
teve a má-sorte, se fosse questão de sorte,
de ter nascido
em tempos tão duros e covardes
pra ser morta só por ser,
desejar e amar
o que de belo houver
em qualquer ser
e, assim, então, ser punido
por pecado inexistente
por qualquer inconsequente
desgraçado pelo amor

ao fim,
penso, na morte,
não há justiça
talvez dor, talvez alívio
de quem fica, de quem vai
e o que se faz, enquanto vivo
da vida cabe
a quem tão pouco sabe
e a mais ninguém


por bruno muniz, 19 de feveireiro de 2014.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

DOS QUE LUTAM

face o fuzil
de fascínoras fascistas
faz motriz sua força
à foice e fé

ante aos atentados
ao amor e à amizade
a angústia e a agonia
atingem o ápice
aviltosos

depois da derrota
dos desesperados
difíceis dúvidas dão-se
ao dobrar dos sinos d'ouro

vertiginosamente,
vê-se o virtuoso
vagar em vão no vale
das vis e vulgares vidas
dos vitoriosos vilões
em verde verve
via vísceras da vergonha

conhece a confusão e o caos
o começo da criação
compreende o ciclo
e crê

sem saber que sozinho superou
seus sombrios sentimentos
de sangue e sordidez

e ri,
resoluto em resistência
rígido em rebeldia

todavia somente triunfará

se, em absoluto,

uno à urgência, não utópica, mas ululante

da louvável e literal
latente e leal
luz da liberdade

e a indispensável
e indissolúvel
igualdade


por bruno muniz, 13 de fevereiro de 2014.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

INVISÍVEIS

digo 'bom dia' a quem passa
olhares
atravessam por mim
desfaz-se meu trabalho
por onde pisam
e fazem que não se interessam
por detalhes
tão pequenos
como se fosse
mero
ajuste natural

de gravatas e paletós
com suas bolsas ou mochilas
pedintes e ambulantes
tais ladrões, tais indesejáveis
aos vidros que se fecham
ou aos carros que partem

ninguém para ou colabora
e, sob o sol,
eu continuo
visto o boné, pego a vassoura

sou invisível
ou oculto

assinado,
o gari


por bruno muniz, 11 de janeiro de 2014.