terça-feira, 25 de março de 2014

VERDADES PARCIAIS (DE UM ESCRITOR)

eu não precisava de reconhecimento
era como se tivesse vindo pra isso
honestamente, não me importava com palmas
um copo de cerveja me bastava

se fosse possível,
não retornaria, nunca mais, a lugar algum
nem ao menos aos que eu gostei
às vezes, não é bom sentir-se em casa
isso tende a trair, pois acomoda
e acomodar-se é o primeiro passo
pra se tornar um tremendo pé no saco
repetitivo, sem graça e,
inevitavelmente, doloroso

como comida sem tempero
alimenta, mas não apetece
dá vontade de jogar na cara
do filho da puta do cozinheiro...
lavagem? não, obrigado...
enfie no seu cu!

parecia até matemático o problema
no começo
quanto mais você faz, mais fácil se torna
mas isso é apenas uma ilusão
não é um mero exercício
isso exige a porra da vivência
experiências boas e ruins
mais ruins do que boas
conquistas, traumas, dores, choques e sustos
de certa forma, uma boa dose de problemas faz bem
mas não pra sempre
problemas tornam qualquer um nada mais que um coitado

é preciso ser mais que isso
é preciso ser um filho da puta com sede
repito, não de reconhecimento
foda-se isso
mas o diabo tem de cutucar a alma
ameaçar levá-la
te botar de joelhos pra você sacar que o tempo está descendo
acabando, correndo
a areia se esvai rápida pela fresta da maldita ampulheta
e se você não for incomodado, a cabeça para de funcionar

e é assim: parou, parou... não há retorno
não há óleo para lubrificar, nem ladeira pra fazer pegar no tranco
você será tão somente um inútil babão que sabia escrever
e agora, no máximo, rabisca palavras sem sentido
um punhado de frases que não conversam
como masturbação primária de pré-adolescente
o moleque que se esfrega e não faz ideia do que seja aquilo
e pensa que tudo não passa de cócegas
assim, não faz sentido pra ele e não vai agradar a ninguém
a diferença, aqui, é que escrever também não deve ser algo pra agradar a alguém
senão ao próprio escritor

portanto, escreva
escreva, desgraçado, escreva até sangrar o papel
e não pare
mas só se for pra te libertar da inércia, da inutilidade,
e, por fim,
te trazer pra fora da lógica
estéril e imbecil
do mundo real

por bruno muniz, 25 de março de 2014.

Um comentário:

  1. Muito bom.
    Um escritor somente é um escritor, se as palavras parecerem novas como as idéias e eu gosto de acentuar ideias como se fossem ditongos abertos das oxítonas. Que se foda a nova ortografia.

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