segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

MEUS CAROS DESCARTÁVEIS

o asco
um verdadeiro sentimento de desgosto
e perturbação

no rosto do sujeito
ao olho no olho
encontrar o brilho e a transparência
típicos da ternura inverídica
onde chocam-se os sorrisos
e se provocam mutuamente

quem ficará de pé por mais tempo
enquanto as apunhaladas e facadas
desferidas pelas costas
buscam a queda
do mais próximo

um ouvinte
um conselheiro
um diabo
metamorfoseado em arcanjo
senhor da estratégia rastejante
sorrateiro golpista
embrião da vigarice
o mundo está empesteado
milhares, por cada canto, a compartir,
incansavelmente, seu fel
em potes de mel

subumanos, vermes corrosivos
úlceras
e cânceres malditos
vocês também morrerão
e eu estarei em pé,
frente a seus jazigos
despedindo-me sorridente
de sua miserável
e dispensável
existência


por bruno muniz, 30 de dezembro de 2013.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

AMOR E ÓDIO

relação de amor e ódio
talvez não seja esse negócio
do oposto preto e branco
de diabos e de santos
de força que constrói
de sentimento que corrói

talvez não seja tanto
assim, de riso ou pranto
de derrotas ou vitórias
de vergonhas ou de glórias
de amores imortais
ou de ódios bestiais

talvez amor e ódio sejam
mais que muitos desejam
necessária equação
para a livre compreensão
do equilíbrio mental
na batalha espiritual
na qual, o fraco se faz forte
pelas penas que suporte
seja com o ódio que combate
ou com o amor que não se abate

talvez amor e ódio sejam,
ao invés de contrapesos,
pares e complementos
irmãos de sangue e de seios


por bruno muniz, 10 de dezembro de 2013.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

JÁ NÃO FAZ DIFERENÇA

o sabor de ferro persistirá por algum tempo
não deve levar mais que três dias até que se dêem conta
haverá o mau cheiro, haverá o frio, e o silêncio
haverá sangue pelo carpete e respingos na cortina
não mais que três dias pra que o suspeito esteja longe demais

e ninguém sentirá falta, já não há visitas, por que seria diferente?
não, sem alardes ou lágrimas
talvez uma nota de rodapé no diário local, sem missa, sem velório
no máximo, um inquérito policial será instaurado
e logo arquivado

paga-se o preço da antipatia e amargura
ainda que esta última não seja bem uma opção às vezes
mas paga-se o preço de todo modo

engana-se aquele que se pensa imune
a sorte é como a beleza e
não tarda em acabar

ouço sirenes e algum tempo depois
alguém arromba porta da cozinha
estou no chão, foi muito mais rápido que pensei
mas não adianta nada, já foi meu tempo

a partir de agora tanto faz
quem se lembrará de mim?
talvez apenas o filho da puta que fez isso comigo

de qualquer maneira,
não temos mais uma pendência
dívida paga

saí no prejuízo


por bruno muniz, algum dia de outubro de 2013.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O INFERNO ESTÁ EM TODO MUNDO

me queimava o estômago e o doutor não trazia solução
eu pensava nos problemas de amanhã e não saía do lugar
o dia de ontem não tinha terminado e não havia previsão de melhora

ouvia à tv num programa misto autoajuda e dia-a-dia "dona de casa"
pensei, como será que fazem pra esconder ou fingir a dor do ser?
sentiam azia, medo, dor nas juntas ou dúvidas? qualquer tipo de incerteza?
estavam anestesiados, moribundos ou seguravam bem a bronca?
ou a imbecilidade da tv os convencera também?
sorriam fácil, simpáticos manequins saudáveis e felizes
viviam de dietas perfeitas em rotinas controladas
sabiam dos anseios e angústias de um povo deveras maltratado?
das lástimas e fraquezas do indivíduo sozinho antes do banho?
sim, sabiam... mas, e essa cara de pau? de onde vinha?

eu me senti cansado, cansado de resistir, de ouvir tanta merda
era muita futilidade, tudo descartável e efêmero
muita felicidade vazia numa caixa preta que emite sons com imagens coloridas
o doutor ainda não me chamara, e a tv continuava tagarela,
vomitando suas paralelas verdades com piadas ruins, falsas e babacas

quase saí da sala de espera e, então, meu estômago
filho da puta, voltou a queimar, rasgando à garganta
que inferno!
não, eu não fingiria porra nenhuma
e fiquei lá, com cara de dor, antipático e ansioso
que me ardesse a alma eternamente
mas que tanto a dor quanto a libertação fossem verdadeiras
senti um certo orgulho
em mim, nada era plástico: nem uma lágrima, nem um sorriso
muito menos a queimação no estômago!


por bruno muniz, 07 de novembro de 2013.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O CÃO CONTRA SUA SOLITUDE

o cigarro aceso queimando o braço
daquela poltrona velha e encardida
o cheiro de mofo, a poeira leve
o rejunte sujo, a ferrugem das dobradiças

o cão companheiro ao pé da poltrona
em triste olhar ao silêncio do dono
seu pote de comida vazio e sem água
seu pelo embaraçado, sem carinho ou adorno

a tv ligada em canal qualquer
canais de venda e propagandas mentirosas
pastores gritam à salvação dos justos
mas ninguém trará sorte a essas almas chorosas

a torneira da pia da cozinha pinga
o ponteiro do relógio da parede parou
na cidade insana que não para ou dorme
vizinho algum deu falta ou procurou

o lixo
já começava a deteriorar
o odor desagradável
tomava conta do lugar

aquele velho cão,
parceiro fiel
entendeu primeiro,
mas não olhou ao céu

cartas não passavam porta abaixo,
dias se passaram
janelas fechadas,
nem os pássaros cantavam
até a senhoria vir cobrar o aluguel,
ninguém notará
e, mesmo morto há tempos,
sozinho, não está
sem Deus por perto,
sem qualquer acalento
sobrou seu amigo
contra qualquer tormento
pode descansar
ante a dor do ser
de estar à deriva,
à espera de viver


por bruno muniz, 31 de outubro de 2013.

domingo, 27 de outubro de 2013

ENTRE NÓS

se fosse só uma questão de beijos
ou de abraços mais apertados e demorados
se fosse só uma questão de risos
ou de conversas sobre o dia a dia
se fosse só uma questão de olhares
ou de respeito, filosofia e religião
se fosse só uma questão simples
de combinar elementos diversos

mas não é assim que funciona
conosco, as coisas são mais profundas
não que deixamos de combinar em algo
muito menos que não saibamos administrar diferenças

a questão é que
quando se trata de nós dois
falamos de mais que paixão e calor
mais que vontade e prazer

entre nós, se trata de paz e alegria
se trata, mais ainda, de natureza e alma
entre nós, a combinação é a compreensão
de um sorriso ou de um silêncio
entre nós, a amizade é a fortaleza
que preserva um amor que apoia e incentiva
entre nós, a segurança é o crescimento
do carinho, da cumplicidade e da honestidade
entre nós, o amor é muito mais
que uma palavra bonita de quatro letras

é eu me encontrar em você
e você se encontrar em mim
tudo em liberdade
o que significa que
sem que para isso
precisemos deixar de ser nós mesmos
indivíduos voluntariamente entregues um ao outro


por bruno muniz, 27 de outubro de 2013.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O REI DA AMARGURA

há um tipo de crítico,
para o qual nunca há o bastante
eleva-se apenas
o que lhe interessa
desdenha
do que não pode compreender
ridiculariza tudo
que o supera

o onipotente,
que nada cria,
mas julga
sem qualquer pudor
acima do bem e do mal,
semi-deus
rei de adjetivos,
do féu e do horror

sob seu olhar
tudo parece opaco
não percebe que o limite
está em sua própria percepção
submerso
num mar de arrogância
morre afogado
em uma espécie de decepção
pois cria um mundo
perfeito a seu modo
e espera que seja
tudo como quer
deveria ter a boca
cheia de areia e terra
até perceber que o problema está
dentro de seu próprio ser


por bruno muniz, 25 de outubro de 2013.

sábado, 12 de outubro de 2013

TODAS AS CORES

quando o amarelo-ouro, rei dos tempos, decretou
que os tapetes seriam os vermelhos-sangue
que os estandartes erguer-se-iam verdes
viu-se o azul-celeste esconder-se sob o gris das nuvens

o preto em luto pelos irmãos mortos
empunhou-se do prata das espadas ao lado dos rubros de ódio

nas batalhas, uniu-se a eles o azul-naval
e trouxe o branco rosto da paz burguesa
com as letras da pena em negro-nanquim
enquanto, pasmos eram os rostos pardos de medo e apatia
então, guilhotinaram o amarelo-ouro da coroa
e as túnicas pretas clericais caíram também
e quando os pretos em luto pensaram em olhar para o azul-celeste que renasceria
viram o azul-naval segurar o mastro
e o branco da paz assegurar a mansidão
logo estavam de mãos dadas

e os pretos, os vermelhos-sangue e rubros de ódio
novamente viram-se sufocados em seus guetos
eis que alguns vermelhos-vivos levantaram bandeira
prometeram terras, verdade e poder
conquistaram os corações de muitos sofredores
de tantos tempos árduos, de tanta miséria

quando, enfim, uns poucos despossaram o azul-naval e o branco da paz
e o azul-celeste parecia despontar, de fato,
aos pretos em luto, os vermelhos-sangue e os rubros de ódio
o verde das matas começou a morrer em ritmo acelerado e, então,
o gris celeste escureceu novamente e os mares transparentes refletiram
por fim, a verdade maior
que evidenciou-se,
cristalina

sem a luz do sol, por trás da escuridão das nuvens
exceto o sangue vermelho daqueles que sempre serviram como tapete
e o preto em luto daqueles que estiveram em luta pelo brilho do sol
todas as cores são igual e infinitamente azuis:
tristes e frias


por bruno muniz, 11 de outubro de 2013.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

MAIS UMA DOSE

o tempo nos consome,
impiedosamente
a culpa é nossa, e isso pesa mais ainda
olhamos pelas frestas da janela,
há vida
apenas assistimos, passivamente

um belo dia,
deitaremos pela última vez

não usamos nossa chance,
azar o nosso
o tempo não volta atrás nem se arrepende
a dor não escolhe a vítima,
e sim o contrário

encaremo-nos ao espelho,
a face será tão feia quanto vazia for
a vida

há pessoas que, durante a vida,
colecionam diversos fatos,
mas raros acontecimentos.

isso é o que posso dizer que constitui uma vida
sem sentido,
sem propósito,
sem graça

eu não aceitarei assim tão fácil...
peço mais uma dose.


por bruno muniz, 07 de agosto de 2013.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

SENHOR TEMPO


(imagem cedida por meu grande amigo alvico)

rugas, dentes moles, mãos trêmulas
ossos fracos, unhas fracas, dor nas juntas
cabelos brancos, poucos cabelos, muitos pelos
voz rouca, ouvidos surdos, olhos cegos
memórias rotas, lembranças falhas, um bocado de momentos
confusos, perdidos, suspensos
roupas empoeiradas, costas encurvadas
e o mesmo medo persiste todos os dias

se diz maturidade seu fruto maior
sabedoria, o reflexo dos viveres
como mágica, desce a iluminação, bárbara
em busca da eternização, a eterna negação
do ser finito, temporal

à sombra, se escondem mentiras
ao pó, tornarão todos, indiscriminadamente
um por um, sem juízo final, ou misericórdia

o tempo ensina, cura, resolve, finaliza
minha conclusão não é nada genial
mas não poderia ser mais verdadeira
implacável, impiedoso, massacrante
o tempo envelhece, e isso ninguém quer lembrar
e não há retratos que, disso, nos salvarão
como já alertou-nos o sr. Wilde, com Dorian

envelhecer é questão de coragem,
de aceitar o destino único, inegável
de que a morte sempre chega, mas que
até sua vinda, a briga será boa,
não importando quantos ossos tenham de ruir e doer
pois da vida, o único medo justo
é o de perdê-la


por bruno muniz, 18 de agosto de 2013.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

AUTOR, IDADES

enferrujadas
como a carcaça
de um velho navio no fundo
do mar
palavras rebuscadas,
arcaicas
tecidas a fios
de teia de aranha
empoeiradas
como os livros amarelos
com cheiro de naftalina num armário escuro
como unhas longas
e descuidadas
sob a tinta do esmalte
relíquia disfarçada sob roupas novas
fala mansa
sob discursos despóticos
sorrisos
amarelos
em meio a passos neuróticos
os dentes cerrados,
olhos arregalados
a agressividade como defesa
o cinismo
como inocência
despidas de vergonha, de anseios
ou prazeres
ouvidos surdos, olhos cegos
e bocas
cheias de dizeres
as mãos
limpas
dissimulam a sujeira
escondida
sob o tapete vermelho de sua majestade
mas a carne é fraca
e os vermes são os mesmos
os que corróem os fracos, os fortes
os belos e os feios
a hora,
de todos, chega
tudo o que sobe
desce
e onde há fumaça, há fogo
e a verdade,
quem sabe
não esquece


por bruno muniz, 8 de agosto de 2013.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

CENA DE CINEMA

quero um sequestro sem recompensa
ser preso sem fiança
ser o bandido fugindo pelos fundos
sob uma chuva de tiros tortos

quero uma cena de cinema
de beijos longos na chuva
uma arma apontada na direção do delegado
em meus braços, a refém voluntária

quero uma escapatória triunfal
as pessoas abririam caminho para nós
e fechariam para eles
os cães de guarda do deboche

quero risadas e sorrisos
de sinceros prazeres e curtos dizeres

quero trilha sonora pros meus dias
ao lado de quem escolhi dançar

ao fundo, haverá fogo e explosões
e estará garoando, seus cabelos molhados

nada mais poderá impedir o crime já cometido:
a paixão
sem volta,
você e eu


por bruno muniz, 27 de junho de 2013.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

SOLIDÃO, QUE NADA

muito além das duas horas
a noite fria não dava trégua
as garrafas de cerveja caídas no chão,
perto do sofá
próximas aos pares de meias
e peças de roupas
já eram parte do cenário
havia muito tempo
ninguém entrava naquele apartamento
que já tinha tomado um cheiro próprio
de mofo, álcool e cinzas
o retrato da solidão
a única coisa viva ali na sala
um peixe
beta
e azul
talvez tão solitário quanto
o beta
em seu pequeno aquário quadrado
com a água suja demais pra ele
a essa altura
a tevê velha
com má sintonia
tela chuviscada e som chiado
empoeirada
com a antena do sintonizador uhf
torta
a palha de aço na ponta
o chão cheio de gordura
pratos pela mesa de centro
cinzeiro cheio
e as guimbas de cigarro transbordavam
o braço do sofá
queimado pelo fumo incessante
a sala silenciosa
convidava a tristeza a entrar
especialmente em noites frias como aquela
a janela pequena
com uma fina cortina pra segurar a luz
do poste em frente
luz suficiente pra enxergar o caminho pro corredor
curto
um gato na porta do quarto
deitado, dormindo e impedindo a passagem
no chão gelado
no fim do corredor
onde ouve-se um ranger
de madeira
pesado sobre o chão
o gato não se move
gemidos e urros
do lado de dentro
não faz frio, muito do contrário
a vida retoma um curso
entre dois corpos
e suor
enquanto o beta espera
a próxima troca de água
e o peixe espera pela comida
dormindo


por bruno muniz, 31 de maio de 2013.

terça-feira, 28 de maio de 2013

ACRE

não tinha muitos amigos
era feio, vivia despenteado
com sapatos sujos e roupas velhas
carisma zero
paciência era virtude dos monges
ou dos fracos
exigia submissão e falta de personalidade
pelo menos, pra mim
não fazia a menor questão de cortesia
e não me esforçava pra ser legal
nunca tive tato com as mulheres
e pros caras populares
sempre despertei algum tipo de antipatia
não me queriam por perto
e sempre tentavam me humilhar
talvez pra se defenderem de sua própria miséria
talvez eu merecesse
porém, a verdade é que
ao mesmo tempo que conquistei inimigos gratuitos
ninguém nunca me foi rival
pois, a mim, nenhum era comparável
então, notei que
não incomodar ninguém
poderia até me fazer solitário
mas também me fez
genuíno


por bruno muniz, 25 de maio de 2013.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

ÀS FAVAS


às vezes,
a gente se força a escrever

é como ir ao banheiro
quando não se tem vontade
é incômodo, leva mais tempo que o normal
parece que nunca vai sair nada
uma luta do querer
e o reconhecer que é necessário
contra a natureza
as inspirações, os motivos,
tudo se esvai
porra, por quê?

porque não é porque vai ser uma merda
que será fácil
e quanto mais você acumular isso dentro de você
mais difícil será botar pra fora

e, pior,
mais desagradável será
escrever não é só um talento
tampouco se trata apenas de um exercício
escrever é um ato de bravura
é expurgar os demônios
um descarrego fundamental
e quanto mais enfezado você está
mais é essencial jogar tudo pros ares
foder com tudo de uma vez
quebrar a porra toda
mandar à puta que pariu!

e pra quem não escreve
fica o conselho:
comece a escrever
ou a cantar
a praticar algum esporte de contato
alguma luta bastante intensa
ou mesmo
arrumar uma boa discussão
uma boa e estúpida briga
com alguém que não faça diferença na sua vida
a fim de não ter de perder alguém que lhe seja importante
por sobrecarga

mas, eis um fato
guardar a merda toda pra você
não vai fazê-la feder menos quando
enfim,
você mandá-la
esgoto abaixo


por bruno muniz, 23 de maio de 2013.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A.R.T.E.


a arte é um erro da vida
da natureza
foi a brecha que o caos encontrou
pra sacanear
pra fazer risada
de onde só se via encaixe
lógica e perfeição

a arte é a conturbação do pensamento
é a chave de fenda que cai
no meio da engrenagem pra instaurar
o desmonte
pra corroer o sistema
pra corromper o indivíduo
deflagrar a ordem
desacatar a autoridade
a explosão, o terror

a arte é o perigo
o desatino
o cuspe na cara do juiz
o chute na bunda do padre
o beijo roubado na noiva frente ao noivo
é o garotinho que desobedece os pais
esperando o castigo
só pelo prazer de assumir
que fez o que não podia

a arte é o que não foi planejado
é aquilo que é impensado
é o fora dos conformes
o susto, o surto,
o assalto
a perturbação da paz gris
o colorir de dias foscos, toscos
é borrar os contornos
é o desafino do trompete
o ritmo quebrado da bateria
a estridente corda de guitarra que estoura

a arte é a surpresa
o angustiante grito que liberta
é o desafio aos deuses ao afirmar que
não, nem tudo está criado!


por bruno muniz, 14 de maio de 2013.

domingo, 12 de maio de 2013

SEM COMPANHIA PRO CAFÉ


jogado entre as colchas
no canto do sofá
fico de olho no teto
rachado, manchado
nos insetos que sobrevoam minha
xícara
de café,
café forte
o mesmo de ontem à noite
quando ela ainda estava
aqui

nos conhecemos num bar
ela bebia
mais que eu
solitária, feito veterano de guerra
fazia sentido
eu estava cansado, com dor de cabeça
ela não era lá grandes coisas
mas
quem disse que eu sou
ela era boa e fácil companhia

troquei meia dúzia de palavras
e parecia que já a conhecia
há muito
viemos pra casa
transamos, fiz um café forte
quando voltei pra cama
ela havia apagado
tomei o café,
o meu e o dela
não trocamos mais uma palavra

hoje, acordei e ela já tinha ido
escreveu com batom no espelho do banheiro
"até logo"
sequer assinou
e não sei seu nome
até pensei em voltar ao bar esta noite
mas acho que ficarei
por aqui,
tomando
café


por bruno muniz, 11 de maio de 2013.

sábado, 11 de maio de 2013

À MENTE INQUIETA


à mente inquieta
repousa a dúvida
perguntas com gosto de remédio
cheiro de fossa e
textura de pele ressecada
distante do conforto ignorante
a alma do pensante não tem lugar à sombra
o preço pago pela curiosidade
o devir da serenidade
o dissabor das próprias vontades

à mente inquieta
repousa um inseto barulhento
maldito sanguessuga voador
que traz, zunindo,
horas de perturbadora reflexão noturna
gratuita dúvida
pulga atrás da orelha
e que não se deixa pegar

à mente inquieta
ladrão rouba a paz
ladram os cães aos domingos de descanso
tornando-os infernos em terra
gemem os gatos à janela durante a noite
tudo tira o sono,
e pelas frestas da janela
invade a luz e o vento gelado
dessa São Paulo solitária, mãe das multidões

à mente inquieta
repousa o desespero
companheiro fiel e desgraçado
de risos tortos e maliciosos
compreensivo amigo
é, à mente inquieta


por bruno muniz, 11 de maio de 2013.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

RICOCHETES


o sujeito arrisca seus tiros
contra um alvo, móvel ou imóvel
não importa, o sujeito atira
inevitável é que, por vezes, o tiro
ricocheteia
o desgraçado simplesmente volta
ensandecido contra tudo
que está no caminho
e principalmente
contra o atirador
e vai acertar
bem na cabeça
do idiota que apertou o gatilho
pensando apenas na diversão
um perfeito imbecil
balas não têm vontade própria
mas pra se divertir
às vezes é preciso pagar um preço alto
que seja a cabeça
que seja o peito
que seja a loucura
que seja a dor
quem atira nunca está imune
por mais que pense
e é tão fácil errar o tiro
eu que o diga


por bruno muniz, 08 de maio de 2013.

domingo, 21 de abril de 2013

AQUELE MALDITO SORRISO


você que pensou que tinha caminhado adiante
é só olhar pra trás
e ver o quanto está paralisado
imóvel e patético
aquele maldito sorriso cativante
que te rouba a concentração
toda vez que o encontra por aí
é suficiente pra sacar que
não, você não avançou sequer alguns centímetros

foram beijos, fodas, noites mal dormidas
na companhia de bêbadas, de prostitutas,
de decadentes e carentes
você pensou que tinha saído do zero
mas na verdade, apenas se enterrou
um pouco mais
se vacilar mais, vai acabar sufocado
afogado na própria desolação
com os pés atolados na lama
a mesma lama que você leva pra casa
todo dia, após a bebedeira descabida
e os passeios nos becos e bocadas
em busca de distração

há sempre uma mulher específica
aquela que vai te fazer perder a cabeça
uma mulher que vai te derrubar de cima do muro
que vai te desestruturar
e você vai pensar que evoluiu, mas não
não evoluiu porra nenhuma
pois aquele maldito sorriso cativante
ainda será cativante
aquele olhar ainda será aquele olhar
único e, desgraçadamente, belo

é como se ao ver aquele sorriso
pudesse mais que lembrar
mas sentir tudo
o toque
o sexo
o riso
a alegria compartilhada
e é a lembrança que fode tudo
pois essa lembrança, a boa lembrança
é pior que a má lembrança
a má lembrança pode libertar
afinal de contas, é muito mais fácil
encontrar a liberdade lutando contra o ódio
que contra aquele maldito sorriso cativante


por bruno muniz, 21 de abril de 2013

terça-feira, 16 de abril de 2013

INCONTIDOS


a causa do incômodo, o imprevisto
a nascente da dúvida, o intempestivo
a fagulha do desespero, o caótico
o riso anárquico, o incontido

dentro do sujeito que não é indivíduo
mora um embrião, um ser desconhecido
não dá suas caras, acostumado ao mascarar rotineiro
divide cama com donzela de ferro,
só vê "bom-dia" em sorrisos amarelos
espera à espreita a brecha pra ser por inteiro

a origem da questão, a hipótese
a livre suposição, a apoteose
o medo e a tentação, o desatino
a porta aberta, a luz, o incontido

o garoto esperto, malandro, sorrateiro
a prostituta, o bêbado, o desordeiro
de peito aberto, a cara ao tapa, olhar firme e ousado
o pobre, o preto, o nordestino
o velho, o fraco, o desprovido
de mãos vazias, de pés descalços, de coração dilacerado

a ilusão necessária, a esperança
o bom-senso inerte, à sombra descansa
ao incerto e ao bravo, o destino sorri
em risos incontidos, decide permitir


por bruno muniz, 24 de fevereiro de 2013

DILACERA

de pé frente à janela
onde pássaros se exibem
onde as moças desfilam exuberantes
sob a gentil luz das luminárias antigas

as mesmas janelas que outrora eram convite
que abriam as vistas para o sorriso
ela passou por essas janelas

foi um riso noturno
um riso forte e invasivo
ela penetrou meu peito
invadiu violentamente a alma e roubou minhas vontades
e fiquei aqui, preso à janela

cada riso e sorriso tem seu preço
os seus foram caros, raros, fartos
sorrisos tenros e abertos
de semblante doce e sincero
risos únicos - no tempo, no amor, no sabor
sem repetição ou segunda chance

acordado, desde as 18 horas
com uma garrafa de vinho em mãos
fitando os carros que passam à janela
vejo ainda seu olhar... a encontrei
para mim, era... ela... única
ninguém poderia ser
quem seria?

sorria como ninguém
ria como só ela... amava, somente, ela

me sorriu mil vezes,
me riu centenas,
me amou apenas uma, única e inesquecível vez

lembrar, rindo, pois não mais
é o que dilacera, desmantela, rasga a pele
e não haverá sorriso pra curar,
mas somente aquele que encara a morte
continuará a ter chances
pois só quem dilacera, se reconstrói


por bruno muniz, 24 de fevereiro de 2013

domingo, 14 de abril de 2013

OS NOSSOS PALADINOS

e então, enquanto o ar estava seco
e as folhas caíam das árvores
deixando o passeio público com um visual saudoso,

velhos senhores na praça jogavam dominó
as senhorinhas caminhavam e jogavam pães aos pombos
alguns meninos chutando bolas,
outros brincando com suas bolas de gude
algumas meninas nos gira-giras
enquanto outras, já maiores,
observavam aos garotos mais belos
e, algumas delas, às garotas mais belas

haviam casais, de todo o tipo e cores
alguns com crianças no colo
eram homens e mulheres,
mulheres e mulheres,
homens e homens, abraçados
com algo em comum a ser exaltado e dividido
seu amor e suas esperanças
e sorrisos e risadas vindos de todos os lados
e as folhas continuavam caindo das árvores
e o sol estava escondido atrás de nuvens
cães e gatos desfilavam pela praça
e não se via qualquer hostilidade ali
e a tarde se encaminhava sem pressa

até que chegaram alguns paladinos
apontando suas crenças e dedos
decrépitos e em decomposição
e eles trouxeram um vento forte
que anunciava a chegada de chuva

as meninas correram pra suas casas,
os meninos deixaram as bolas pra trás
os gira-giras giraram vazios
as bolas de gude ficaram na areia
a caminhada das senhoras foi interrompida
e as pombas voaram de lá
os casais deixaram de sorrir
e foram proibidos de dar suas mãos
as folhas continuaram a cair

mas os defensores de um passado que morreu há tempos
voltaram para ditar as regras
a chuva veio com eles, e veio forte

pobres velhinhos,
fim da partida de dominó


por bruno muniz, 14 de abril de 2013

sexta-feira, 12 de abril de 2013

NÃO DE MUITA COISA

eu estava precisando
não de muita coisa
já não esperava por um maldito milagre
não esperava por uma revolução
ou que Deus me desse um sinal de sua existência
não era de um porre
não queria ficar louco
sequer eu procurava o caminho do mar
uma boa noite de sono cairia bem
mas também não era disso que eu precisava
pensei em ler um bom livro
assistir um bom filme
ou ouvir uma velha música americana

eu estava precisando
não de muita coisa
fiquei sentado, frente à merda da televisão desligada
com um copo de cerveja na mão, esquentando
o cigarro na outra, queimando à toa, e
as cinzas caindo no chão
na janela, escorriam as gotas de água
da chuva que não parava de cair desde cedo
dia fodido
a noite já dava as caras e eu não saí de casa e

eu estava precisando
não de muita coisa
a campainha soou
o som entrou por um ouvido
e do mesmo modo saiu pelo outro
mais uma vez, me levantei
na chuva, havia alguém
eu estava sem meus óculos
havia alguém ali parado
abri a porta e pedi que se identificasse
a chuva era forte, não ouvi nada do que disse
recobrei a visão, enfim,
totalmente molhada, ela me sorriu

eu estava precisando
não de muita coisa
um sorriso bastou


bruno muniz, 13 de abril de 2013

domingo, 7 de abril de 2013

AMOR ENGANO


venda sua alma
entregue seu ouro
rasgue seu peito
abandone seu coração
morra cem vezes
fique nu e se corrompa
lute até o fim
se mate
se foda mais um pouco

dinamite sua vida
agrida sua auto-estima
roube de si
dê seu recanto
desate suas proteções
derrube suas angústias
se esqueça um bocado
discipline a mente pra isso
se dedique e faça funcionar
amplie seus esforços
subtraia seus sonhos
ouça mais, ouça tudo
fale menos, não fale
morra mais cem vezes

esteja pronto, e mostre força
não chore, e não mostre medo
arranhe suas entranhas
afogue o peito
e mantenha a cara limpa
seja fiel
seja o que se espera
mantenha as estruturas
corroídas pra você
mas firmes pra que não sejam vistas as ferrugens
finja, maqueie, seja tudo menos real
até que a casa caia
sozinha, ou com um sopro de vento
e morra soterrado, mais uma vez
de você, só se verá uma mão
rija, contorcida,
procurando a saída

tarde demais
você entregou tudo
pra quem não deveria
agora é só esperar o próximo trem passar
enquanto o tempo lhe dilacera
e sua coragem não é mais nada
na saída da estação está escrito
bem-vindo ao inferno, amigo


por bruno muniz, 7 de abril de 2013

sábado, 6 de abril de 2013

MENTIRAS


você precisa
de vez em quando
de alguns sorrisos no seu dia
de elogios gratuitos
ou de uma troca de olhares
depois de uma noite mal dormida
depois de um dia mal vivido

nem sempre é verdade
que precisamos da verdade
algumas mentiras caem bem
fazem bem
e são o bem
pois de dentro de um escritório
não se tem o sol na pele
pra alimentar a alma
e renovar o espírito
pois depois de uma ruptura
se leva tempo pra poder voltar
à ação novamente
pois não é todo dia
que se encontra um grande amor
e se realiza um grande sonho
se conquista um objetivo
se alcança o sublime

e então,
às vezes, você precisa
apenas de uma taça de vinho
de algumas horas de boa música
de um banho demorado
e de risadas sutis

o dia a dia é pesado
precisa que venham as danças
que os pássaros cantem
que os abraços aconteçam
não interessa, às vezes,
que você aprenda algo novo
que você encare os fatos
que você esteja ciente e consciente

às vezes, é a mentira que salva
a mentira que engana o carrasco
que alivia e nos resgata
da angústia e dos pavores
da morte de nossos amores
de um medo incalculável
de um erro irremediável

verdade seja dita
a mentira
não é, assim
tão
maldita


por bruno muniz, 6 de abril de 2013

NÃO


ela disse "não"
ele insistiu
ela repetiu o "não"
ele se aproximou
ela o repeliu
ele a segurou pelos braços
com força
e beijou sua boca
ela, de olhos fechados,
o mordeu
com toda força
rasgando seus lábios
o sangue escorreu
ela apertou suas bolas
ele se contorceu
e caiu no chão
"filha da puta!"
ele gritou, caído no chão
ela fugiu
ao menos,
desta vez

ele fez outra vez
mas a outra garota
não conseguiu fazê-lo sangrar
e ele
não precisou gritar nada desta vez
ela
sequer conseguiu dizer
"não"


por bruno muniz, 6 de abril de 2013

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A SARJETA

eu, deitado junto à sarjeta, estou
com as calças rasgadas
e as meias sujas da água que sai do esgoto
a chuva parou
e estou bêbado e inútil
e não vou conseguir me levantar daqui

as putas já estão na esquina
esperando o próximo cliente, e me olham
não passo de lixo, sou parte do cenário
não posso comprar amor, não
não desse jeito

os carros começam a passar
de lá pra cá, alguns param, elas entram
entram e saem, entram e saem
eu observo, a noite cai
e algumas delas demoram a voltar

nos carros, mulheres ou homens
velhos, jovens, casais, trios
todos querem diversão, e nada melhor
o amor é frágil, a curiosidade é forte
vontade não falta, que viva o risco

continuo eu, cá, jogado no chão
a garrafa, agora vazia, fodeu comigo
minha própria puta, privativa
é o amor que pude comprar,
toda minha, e um litro de beijos

um carro passa rápido sobre a poça d'água
que voa pra cima de mim
malditos fodedores de putas
eu não precisava disso
amanhã, todos voltarão aqui
mas eu não, espero


por bruno muniz, 4 de abril de 2013

terça-feira, 2 de abril de 2013

SERIA DIFERENTE


foi quando me dei conta
eu deveria ter feito diferente
era só
arrumar uma amante
uma, não...
umas duas ou três
continuaríamos fodendo
cada dia mais gostoso
sem aquele marasmo de sexo preguiçoso
sem aquele sorriso tonto de amor
sem aquele vai-e-vem insosso
sem aquela foda de merda, foda de manutenção

sobraria a verdadeira foda
sobraria algum tipo de paixão
risadas com cerveja,
taças de vinho e,
lá estaríamos nós,
suados, molhados e constantemente excitados
até dar no saco
até não servir mais

com certeza, eu não seria o único esperto
ela não seria diferente, com certeza
mas pelo menos,
a chatice dos finais com todas suas lágrimas
seria só uma cena de teatro pra ver quem sairia vítima
quem sairia carrasco
sem maiores pesos na consciência
sem maiores perdas

mas não foi assim que eu fiz
e por isso, estou aqui
pensando em suas coxas abertas
no calor, no aconchego de seus seios
nos beijos de seus lábios cheios de carne
no cheiro que só ela tem
e, que coxas!


por bruno muniz, 1º de abril de 2013