sábado, 29 de março de 2014

SEM NADA

anda
e fala
como se fora castrado
sem gana,
sem punch,
sem vergonha na cara
o sujeito infeliz já conformado com sua
miséria
fez dela companhia e a abraça
toda
noite
pobre diabo de pés descalços e sujos
braços
amarrados juntos às costas
sentado no chão em um canto,
canto escuro
uma pequena janela
uma fresta ridícula
por onde entra alguma luz
que o expõe
sujeito sem orgulho,
sem tesão,
sem nada
sujeito que não é
sujeito de si
morrendo de fome
em silêncio, como se fora punido
crédulo
de sua penitência,
ele sorri
aceitou a morbidez
como seu tom,
sua roupa,
sua vida
que vida, se jaz morto
de olhos abertos
coberto pela infâmia irônica
que o suprime
e se sente confortável
pelo peso sobre o peito
sujeitinho
patético
passivo,
pacífico demais
cachorro débil,
capacho voluntário
imagine
imagine o pesadelo,
que estrada sem sentido
uma roda
que gira em falso eternamente
talvez
seja hora
a hora de levantar
não?
talvez,
o sujeito seja você


por bruno muniz, 27 de março de 2014.

quinta-feira, 27 de março de 2014

MADRUGADA PERDIDA

batiam os ponteiros do relógio
os gatos gemiam à janela
as moças dormiam tranquilas
os carros passavam a cada dez minutos
as prostitutas faziam seus últimos programas
a polícia fingia não ver nada enquanto contava a propina
os mendigos maltrapilhos brigavam por uma manta
os ratos rondavam as latas de lixo e bocas de lobo
os boêmios já caíam pelas calçadas escorados uns nos outros
em algum porão, imigrantes costuravam há horas por centavos
eu fumava meu último cigarro esperando-a chegar
não sabia quem, como era, a que horas chegaria
mas esperava, como se fosse minha última chance
era pegar ou largar, um risco perder o “time”
- blem! – soavam três vezes os sinos do relógio
não restava uma gota de cerveja, nem de água
apenas o cheiro de mofo do quarto inabitável, a não ser,
por mim mesmo
quando ela chegasse, eu a atenderia?
abriria a porta tal qual abri minha alma?
não tinha certeza se teria a coragem necessária
coragem de entregar a alguém minha solidão
e, portanto, minha independência miserável
ouvi, enfim, um ruído
um som de frenagem de ônibus, o agudo arranhar das pastilhas
o chiar do ônibus parando
corri até à janela, onde dois gatos ainda se enroscavam
pude ver o ônibus partindo, uma mulher entrando no prédio
meu coração disparou, o peito se apequenou... fiquei sem ar
suava em bicas, não tomara banho, merda!
fui tomado de certezas, ansiedade e coragem
tropecei em meus sapatos no corredor, joguei uma água no rosto
lavei as axilas na pia
corri pro quarto e me dei um banho de loção pós-barba,
não tinha perfume
recolhi as latas de cerveja, as bitucas de cigarro
guardei uma guimba pra depois
coloquei uma camisa limpa, ao menos mais limpa que a anterior
joguei um livro marcado nas páginas finais, o qual nunca comecei a ler,
em cima da mesa de centro
desliguei a tevê e aguardei... fiz tudo em segundos, meu recorde pessoal
a campainha não soava, a porta não apresentava sombra ao rodapé
estranhei
fui até à mesma e meti os olhos no olho-mágico
lá estava ela, de mala e cuia nas mãos, olhando pra baixo
refleti, ela era linda e tinha um ar triste... fiquei observando-a
até que resolvi abrir, mas estava trancada e as chaves não estavam lá
corri para encontrá-las e, quando enfim cheguei e destranquei a porta,
não havia mais ninguém ali...
desci correndo até o portão do prédio e, ao sair, pude ver...
um táxi partia...


por bruno muniz, algum dia de 2013.

terça-feira, 25 de março de 2014

VERDADES PARCIAIS (DE UM ESCRITOR)

eu não precisava de reconhecimento
era como se tivesse vindo pra isso
honestamente, não me importava com palmas
um copo de cerveja me bastava

se fosse possível,
não retornaria, nunca mais, a lugar algum
nem ao menos aos que eu gostei
às vezes, não é bom sentir-se em casa
isso tende a trair, pois acomoda
e acomodar-se é o primeiro passo
pra se tornar um tremendo pé no saco
repetitivo, sem graça e,
inevitavelmente, doloroso

como comida sem tempero
alimenta, mas não apetece
dá vontade de jogar na cara
do filho da puta do cozinheiro...
lavagem? não, obrigado...
enfie no seu cu!

parecia até matemático o problema
no começo
quanto mais você faz, mais fácil se torna
mas isso é apenas uma ilusão
não é um mero exercício
isso exige a porra da vivência
experiências boas e ruins
mais ruins do que boas
conquistas, traumas, dores, choques e sustos
de certa forma, uma boa dose de problemas faz bem
mas não pra sempre
problemas tornam qualquer um nada mais que um coitado

é preciso ser mais que isso
é preciso ser um filho da puta com sede
repito, não de reconhecimento
foda-se isso
mas o diabo tem de cutucar a alma
ameaçar levá-la
te botar de joelhos pra você sacar que o tempo está descendo
acabando, correndo
a areia se esvai rápida pela fresta da maldita ampulheta
e se você não for incomodado, a cabeça para de funcionar

e é assim: parou, parou... não há retorno
não há óleo para lubrificar, nem ladeira pra fazer pegar no tranco
você será tão somente um inútil babão que sabia escrever
e agora, no máximo, rabisca palavras sem sentido
um punhado de frases que não conversam
como masturbação primária de pré-adolescente
o moleque que se esfrega e não faz ideia do que seja aquilo
e pensa que tudo não passa de cócegas
assim, não faz sentido pra ele e não vai agradar a ninguém
a diferença, aqui, é que escrever também não deve ser algo pra agradar a alguém
senão ao próprio escritor

portanto, escreva
escreva, desgraçado, escreva até sangrar o papel
e não pare
mas só se for pra te libertar da inércia, da inutilidade,
e, por fim,
te trazer pra fora da lógica
estéril e imbecil
do mundo real

por bruno muniz, 25 de março de 2014.

sexta-feira, 21 de março de 2014

ANTE O DESTINO

ante o destino
viciado é o ar parado
de janelas fechadas
onde somente se vê,
mas não se sente
a brisa
que toca as folhas das árvores

ante o destino
doente é o corpo
que não responde, só absorve
e aguarda a morte
certa,
por não conhecer
a própria força transformadora

ante o destino
condenada é a alma
que não se reinventa
não se revigora
não se revolta
ante o massacre diário
que a aprisionou

ante o destino
covarde é a mão
que apenas se esconde
pede algemas com urgência
fraqueja e se entrega
ao primeiro
sinal de revide do carrasco

ante o destino
morto é o animal
que perante o caçador
aceita o fim
como inevitável
se prostra dócil
submisso

ante o destino
vivo é quem arrisca
não faz jogo,
subverte
não aceita o clinch
recua
ciente
de que o próximo passo
é adiante,
firme
direto
hostil, ao injusto
violento, ao falso
grato, ao verdadeiro
de peito aberto
mas sempre em pé
na guerra
ou na paz

sempre.


por bruno muniz, 21 de março de 2014.

quinta-feira, 13 de março de 2014

DO ÓDIO E DAS MUDANÇAS

insuficiente é, pois,
caminhar em linha reta
desviar de obstáculos
é mais que necessário,
criar alternativas
e cultivá-las com afinco
isso tudo deveria bastar,
mas
não basta
é preciso mais
é preciso encarar certos obstáculos,
derrubar o que estiver à frente
pra seguir em frente
não se entregar
ou baixar a cabeça,
baixar a guarda,
abandonando, assim,
princípios e sonhos
mas isso dói
e cansa
cansa,
pois se torna rotina
e a rotina
mata
mata o tempo,
as esperanças,
as vontades,
o mínimo de dignidade
e respeito próprio
com o tempo – sempre deus da vida – tudo
tudo se transforma,
inclusive
o potencial de transformação mais revolucionário
e rebelde que algo
ou alguém
possua
é preciso, portanto,
ter
não só amor, mas
ódio também
é preciso odiar
o consentimento, o hábito e a conformidade
com o que está errado,
injusto
e arbitrário
encarar problemas, às vezes,
implica em abrir mão
de certos confortos
e assumir outros tipos de problemas,
todavia,
problemas que podem ser solucionados
por quem os assume
superar tais adversidades
é um ato de coragem
suportar adversidades é coisa
que qualquer um
eu disse, qualquer um
pode fazer
superá-las
exige força
e coragem de verdade
não conheço muita gente que tem coragem
de abrir mão de algo
parece a mim que lhes falta ódio,
lhes falta incômodo,
lhes falta ambição,
lhes falta amor próprio
estou cansado
cansado de esperar mudanças
e não ter perspectivas
por isso assumo o ódio
em nome do amor
ao que julgo ser o certo,
o certo pra mim,
o justo pra mim
sou minha própria medida
e não posso esperar que alguém
me livre de meus
infernos
que a fúria
e a sede me consumam,
pois não será o tempo
que me
congelará


por bruno muniz, 13 de março de 2014.

terça-feira, 11 de março de 2014

TREM DOS DIAS

são rostos turvos mesmo atrás das lentes
olhos baixos, cansados, decepcionados
as mãos pesadas sobre o colo
os ombros soltos, braços pendurados
são tantas dores e perdas
de voz, de sono, de força, de tempo
num vai e vem diário, sem sentido
a boca seca, aberta, à procura de ar
a roupa amassada, os pés molhados
mesmo sob os sapatos, há frio
olhares perdidos,
onde é, onde há horizonte?
sonhos, sons, prazeres... ocos
fugazes esperanças e expectativas desfeitas
desnudadas perante a realidade
objetiva e crua, sem floreios, sem canteiros
imensa Terra que se contorna todos os dias
e traz de volta o sol para nos lembrar
do que deixamos esquecido
sob uma frígida vida, vida insossa
dos que apenas sobrevivem hoje, ao hoje
mas não imaginam o amanhã
riscos, rabiscos, rascunhos do que a natureza
nos projetou
homens mulheres, velhos crianças
seres que dissimulam-se alegres,
nas danças
mas se abandonam por valores sólidos
um tanto mórbidos
desprezados, revelados não mais que ratos
tristes passivos, coadjuvantes do horror
apenas dublês de si mesmos
nos deixamos pra trás, de lado
e ficamos assistindo ao filme repetido
enquanto o trem segue
e a próxima estação será
o eterno retorno ao princípio
deste
mesmo
trilho

por bruno muniz, 07 de março de 2014.