batiam os ponteiros do relógio
os gatos gemiam à janela
as moças dormiam tranquilas
os carros passavam a cada dez minutos
as prostitutas faziam seus últimos programas
a polícia fingia não ver nada enquanto contava a propina
os mendigos maltrapilhos brigavam por uma manta
os ratos rondavam as latas de lixo e bocas de lobo
os boêmios já caíam pelas calçadas escorados uns nos outros
em algum porão, imigrantes costuravam há horas por centavos
eu fumava meu último cigarro esperando-a chegar
não sabia quem, como era, a que horas chegaria
mas esperava, como se fosse minha última chance
era pegar ou largar, um risco perder o “time”
- blem! – soavam três vezes os sinos do relógio
não restava uma gota de cerveja, nem de água
apenas o cheiro de mofo do quarto inabitável, a não ser,
por mim mesmo
quando ela chegasse, eu a atenderia?
abriria a porta tal qual abri minha alma?
não tinha certeza se teria a coragem necessária
coragem de entregar a alguém minha solidão
e, portanto, minha independência miserável
ouvi, enfim, um ruído
um som de frenagem de ônibus, o agudo arranhar das pastilhas
o chiar do ônibus parando
corri até à janela, onde dois gatos ainda se enroscavam
pude ver o ônibus partindo, uma mulher entrando no prédio
meu coração disparou, o peito se apequenou... fiquei sem ar
suava em bicas, não tomara banho, merda!
fui tomado de certezas, ansiedade e coragem
tropecei em meus sapatos no corredor, joguei uma água no rosto
lavei as axilas na pia
corri pro quarto e me dei um banho de loção pós-barba,
não tinha perfume
recolhi as latas de cerveja, as bitucas de cigarro
guardei uma guimba pra depois
coloquei uma camisa limpa, ao menos mais limpa que a anterior
joguei um livro marcado nas páginas finais, o qual nunca comecei a ler,
em cima da mesa de centro
desliguei a tevê e aguardei... fiz tudo em segundos, meu recorde pessoal
a campainha não soava, a porta não apresentava sombra ao rodapé
estranhei
fui até à mesma e meti os olhos no olho-mágico
lá estava ela, de mala e cuia nas mãos, olhando pra baixo
refleti, ela era linda e tinha um ar triste... fiquei observando-a
até que resolvi abrir, mas estava trancada e as chaves não estavam lá
corri para encontrá-las e, quando enfim cheguei e destranquei a porta,
não havia mais ninguém ali...
desci correndo até o portão do prédio e, ao sair, pude ver...
um táxi partia...
por bruno muniz, algum dia de 2013.
Pois é, às vezes ambos ficam ansiosos. Um sem saber onde meteu as chaves da porta e a outra que titubeia em apertar o botão da campainha e vai embora. São os encontros e desencontros da vida maluca das grandes cidades.
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